Comunicação Não-Violenta: diálogo e compaixão na infância
A forma como nos relacionamos com nós mesmos e com os indivíduos que nos rodeiam é um dos fatores determinantes sobre a nossa qualidade de vida. Pode-se considerar a comunicação – e a forma com que ela se dá – como uma das bases desse relacionamento.
Sendo assim, durante o desenvolvimento infantil, é necessário que sejam apresentados pelos pais, professores e responsáveis caminhos para que a criança reconheça suas emoções e necessidades, formas claras de expressar seus sentimentos e também a importância de ouvir o próximo com carinho, empatia e atenção.
Esse conjunto de comportamentos pode ser chamado de Comunicação Não-Violenta e, neste artigo, iremos mostrar formas de exercitá-la com as crianças da sua vida.
O que é a Comunicação Não-Violenta
A Comunicação Não-Violenta (CNV) é uma teoria estruturada pelo psicólogo e pesquisador americano Marshall Bertram Rosenberg (1934-2015). Por ter sido criado em uma atmosfera violenta, Rosenberg buscou compreender o que desconecta as pessoas de suas naturezas compassivas e o que faz com que pessoas permaneçam compassivas mesmo passando por situações penosas.
O autor aponta o papel crucial da linguagem e do uso das palavras que, por sua vez, contam com nossa capacidade específica de falar e ouvir para manifestar nossas emoções, refletindo nossos estados de espírito.
São essas capacidades que permitem que possamos nos expressar com compaixão, o que ele também chama de “entregar-se de coração”. Dessa maneira, estaríamos ligando-nos a nós mesmos e aos outros, criando um fluxo natural de troca no processo comunicativo.
A teoria estruturada por Rosenberg pode ser considerada um manual de aprimoramento das habilidades de comunicação e linguagem, que resulta em uma comunicação mais clara, compreensiva, objetiva e saudável. A CNV mostra que, resgatando a compaixão natural, é possível fortalecer a capacidade de continuarmos tendo atitudes humanas.
O psicólogo aponta que por trás de todo sentimento, existe uma necessidade. Seja ela nossa ou do outro e, por isso, é importante, ao ouvir e ao se manifestar, ter em mente qual é a real necessidade por trás das palavras ditas. Quando ela não for óbvia, é preciso identificá-la com compreensão e empatia, pois muitas vezes as necessidades acabam guiando mais os sentimentos e comportamentos do que a própria razão.
Em relação ao externo, para que o exercício seja possível, é imprescindível estar aberto a ouvir sem julgar ou classificar. Para que a prática da CNV seja realizada, é preciso manter a “escuta sensível”, tanto para as necessidades por trás de nossos sentimentos, quanto para as necessidades por trás dos sentimentos do outro, dessa forma, criando uma conexão de apoio mútuo e acolhimento.
A importância da Comunicação Não-Violenta
O psicólogo enumera as 4 etapas primordiais no reaprendizado da comunicação:
- Observação
- Sentimentos
- Necessidade
- Pedido (forma de enunciar a necessidade para quem está ouvindo)
“Primeiramente, observamos o que está de fato acontecendo numa situação: o que estamos vendo os outros dizerem ou fazerem que é enriquecedor ou não para nossa vida? O truque é ser capaz de articular essa observação sem fazer nenhum julgamento ou avaliação — mas simplesmente dizer o que nos agrada ou não naquilo que as pessoas estão fazendo. Em seguida, identificamos como nos sentimos ao observar aquela ação: magoados, assustados, alegres, divertidos, irritados etc. Em terceiro lugar, reconhecemos quais de nossas necessidades estão ligadas aos sentimentos que identificamos aí. Temos consciência desses três componentes quando usamos a CNV para expressar clara e honestamente como estamos.” (ROSENBERG, 2006, p. 26)
A maneira de expressar nossas necessidades vem em forma de pedido, é o momento em que identificamos para o outro como estamos nos sentindo e podemos solicitar o que gostaríamos de receber, enquanto o indivíduo, dentro de suas possibilidades, poderá refletir se pode e de que maneira irá atender.
A CNV propõe a substituição de antigos padrões comportamentais que tendem a lógica binária, como “certo” e “errado”, “bom” e “ruim”. A tendência a traduzir os sentimentos e ações humanas por meio da dicotomia não atende a real necessidade de compreensão interpessoal, já que o ser humano apresenta grande variedade de sentimentos e necessidades.
Quando o método da CNV existe nas relações interpessoais, torna-se possível cocriar uma ponte com o outro, inclusive durante conflitos. Com o treino e a experiência, o praticante da CNV passa a enxergar o que há por trás do comportamento dos indivíduos, o porquê da escolha de palavras que machucam, do tom de voz ríspido e da falta de empatia no momento do diálogo.
É possível separar o que o outro diz e o que realmente ele quer dizer, é possível não se sentir ofendido ou chateado, por entender que há um motivo muito maior do que a discussão momentânea de vocês no momento em que você sente-se atacado. É possível observar o que há em comum entre você e o próximo e não apenas as diferenças. Por isso, Rosenberg classifica a CNV em duas partes: expressar-se com honestidade; receber com empatia.
A CNV nos estimula a nos retirarmos do centro para que possamos olhar sem pressa para fora e compreendermos a perspectiva do outro. Lembrando que nem sempre teremos melhores e certeiras respostas para os questionamentos das pessoas com quem nos relacionamos e que é mais importante estar presente do que ser um solucionador de problemas. Além disso, nos retirar do centro para dar voz e aprender a lidar com o outro, é o caminho para desenvolver a aptidão para lidar com o que é diferente.
Após conhecer a teoria da Comunicação Não-Violenta, é possível chegar à conclusão de que a busca da melhor forma de expressar e ouvir do outro sentimentos e desejos é um processo com início e meio, porém não existe um fim exato, pois a melhora é sempre extensiva. Para além do âmbito pessoal, a CNV pode alcançar os relacionamentos em esfera social.
Como incentivar as crianças a ter contato com seus sentimentos e necessidades
Na primeira infância, os pequenos começam a compreender que sentem as mais diversas emoções e que é possível identificá-las. Existem algumas ferramentas para acompanhar e auxiliar nessas descobertas, tanto no âmbito escolar, quanto no familiar! Para cada idade e nível de entendimento da criança, existe um instrumento ideal.
Livros para criar espaços de diálogo sobre sentimentos:
- Eu e meus sentimentos: Um guia para as crianças entenderem suas emoções e aprenderem a se expressar .- Vanessa Green Allen
- Emocionário – Cristina Pereira e Rafael Valcárcel
- O Monstro das Cores – Anna Llenas
- O Livro dos Sentimentos – Todd Parr
- Vamos lidar com a raiva: 50 atividades para as crianças – Samantha Snowden
Filmes:
Disponível no streaming Disney+
“Crescer pode ser uma jornada turbulenta, e com Riley não é diferente. Conforme ela e suas emoções, Alegria , Medo, Raiva, Nojinho e Tristeza se esforçam para adaptar-se à uma nova vida, uma enorme agitação toma conta do centro de controle em sua mente.” (Sinopse Estúdios Disney)
Um bom exemplo de filmes que tratam sobre emoções é o Divertida Mente, assisti-lo com seus filhos, afilhados, sobrinhos ou alunos pode ser uma forma leve, engraçada e lúdica de falar sobre as emoções que sentimos ao longo da vida, das memórias que são formadas através de cada uma delas e da importância de cada uma! Não existindo emoções “boas” ou “ruins”, pois todas fazem parte da nossa constituição e vivência.
Atividades para realizar em sala de aula ou em família:
- Potinho das Emoções
1. Nomear emoções como: raiva, tristeza, alegria, medo, nojo, surpresa, entre outras;
2. Pedir para cada criança falar em voz alta ou apenas escrever o que ou quais situações fazem ela sentir cada um dos sentimentos e depositar no pote que o representa;
3. Fazer uma roda e conversar sobre sentimentos e compartilhar as vivências. - “Quando eu me sinto quando…” Jogo de perguntas e respostas
que pode ser feito em roda, numa atmosfera de confiança e segurança para as crianças.
Fazer cartas como:
“Sou contrariado”
“Ganho um presente”
“Tiro uma boa nota”
“Brinco com meus amigos”
E as crianças podem sorteá-las e nomear os sentimentos enquanto as leem em voz alta. - Sentir e Desenhar
Pode ter a mesma organização do jogo proposto acima, mas ao invés da troca ser verbal, será ilustrada.
Os benefícios da Comunicação Não-Violenta na vida das crianças
O praticante da CNV está naturalmente em interação plena com sentimentos como: simpatia, bem-estar, tolerância e solidariedade, portanto, pode-se dizer que é uma pessoa que resgatou sua compaixão. E ao praticar a comunicação compassiva em seus relacionamentos, ao longo do tempo, torna-se natural praticá-la consigo mesmo.
A CNV e o autoconhecimento andam juntos no caminho da autorrealização. Porque é a partir do momento que nos conhecemos verdadeiramente, entendemos nossos desejos e assumimos a responsabilidade por nossos sentimentos e ações que se torna possível nos expressarmos no mundo de forma autêntica. Seja fazendo o que se sonha, lutando pelo que acredita ou apenas sendo quem realmente somos.
Por isso, quanto mais cedo a criança tiver a experiência e o contato com a Comunicação Não-Violenta, mais tempo ela terá para desenvolver formas compassivas de lidar com imprevistos, comunicar seus sentimentos e compreender as necessidades das pessoas com que se relaciona. Tornando a jornada da vida mais leve e alegre para ela mesma e as pessoas com quem convive.
Para isso, é essencial que as crianças da sua vida sejam tratadas de acordo com os preceitos da Comunicação Não-Violenta, que envolvem respeito, carinho, empatia e compaixão. Crianças aprendem com exemplos, por isso, seja a sua melhor e mais respeitosa versão ao se relacionar com elas.
Por Thayana Freitas
Muito bom o conteúdo!
Importantíssimo 🙏🏼
Excelente artigo, a prática da comunicação não violenta deveria ser mais falada e aplicada na educação!!!
Agradecemos Judite! Com certeza esse é um tema que precisa ser mais aprofundado em sala de aula!
Excelente artigo para os educadores
Excelente artigo. 👏👏👏
Muito bom conteúdo
Boa tarde!
Excelente material, que pretendo usar em um projeto adaptado à realidade da escola onde trabalho. Com certeza esse tema deveria ser trabalhado com os pais desde a gestação, pois quando recebemos alunos violentos, na maioria das vezes é porque esse é o tratamento comum em casa.
Agradeço imensamente e aguardo novos materiais!
Que bacana Helena!